A Corrente de Huáscar - falso mito de um tesouro perdido (Parte 2)
Arqueologia

A Corrente de Huáscar - falso mito de um tesouro perdido (Parte 2)




Texto de Dalton Delfini Maziero

A mais famosa delas fala de uma enorme corrente de ouro, atirada às águas pelos incas, numa tentativa de esconder o objeto dos invasores espanhóis. É conhecida como "Corrente de Huáscar". Diz a lenda, que ao perceberem a aproximação do exército espanhól, sacerdotes de Cusco se mobilizaram no intuito de esconderem suas peças e relíqueas mais sagradas. Convocaram para isso 200 índios, que carregaram durante a noite, a Corrente de Huáscar em direção ao Altiplano, fugindo dos conquistadores. A peça teria a grossura do braço de um homem e mais de 200 metros de comprimento, segundo Garcilaso de la Veja, escritor espanhol de descendência incaica. Chegando ao lago sagrado, o objeto teria sido colocado sobre uma fileira de barcos de junco totora e levada até um local profundo, para ser atirada nas águas. Junto com a corrente, todo o séquito que a protegia foi a pique. Não foram poucas as pessoas que tentaram resgatá-la e já foi sugerido inclusive, que um canal fosse aberto nas proximidades de Desaguadero (único ponto de desague do Titicaca), dando vasão às águas até o nível em que as supostas relíquias comessassem a surgir!

Delírios a parte, o que poucos autores esclarecem, é que a lenda da Corrente de Huáscar - a exemplo das oferendas - pode ter sua origem em um fato real. A confusão teria começado por causa de uma festa praticada na praça central da antiga Cusco. Uma dança cerimonial que ocorria na primeira noite do calendário incaico. No ponto alto dessa festa, uma grossa corda era agitada pelos dançarinos como se fosse uma serpente. Alguns cronistas - como o padre Bernabé Cobo - relataram a festividade: "Toda a gente do baile passado ia a uma casa que estava junto ao templo do sol e tiravam uma corda muito comprida que ali se guardava, feita de quatro cores: negro, branco, vermelho e castanho, que parecia cobra e tinha por cabeça uma bola de lã colorida. Traziam dançando unidos com as mãos nela, os homens em uma parte, e as mulheres na outra...Davam uma volta ao redor da praça e quando se iam juntando os que iam unidos na extremidade da corda, se entremetiam e dobravam, prosseguindo sua dança com tal ordem, como o acabavam fazendo um caracol e soltando todos a corda, ficava enroscada no solo em forma de cobra."

Seria essa festividade incaica a origem da Corrente de Huáscar? É provável que sim, pois sua descrição em muito coincide com a da corrente, seja em tamanho, local de exposição (em torno da praça central), número de pessoas que a carregavam, e coloração (os tecidos aproximavam-se ao dourado). Alguns estudiosos, como o arqueólogo boliviano Carlos Ponce Sanginés, acreditam nessa possibilidade.
O desejo por ouro não gerou apenas perseguição e morte durante a conquista da América. Gerou também um incrível imaginário popular, riquíssimo em histórias sobre tesouros perdidos em locais inatingíveis. Muitas vezes, esses boatos acabavam sendo criados pelos próprios espanhóis, que não satisfeitos com o espólio adquirido, jogavam suas esperanças e desejos para uma região distante: uma floresta impenetrável, as profundezas de um lago ou alguma cidade perdida nos recôndidos da Cordilheira. Dessa forma, até prova em contrário, o bom senso e alguns relatos nos mostram que a Corrente de Huáscar nada mais foi do que uma corda trançada em fibras, utilizada com fins cerimoniais. Mais um caso para a história da América, da possível projeção do desejo espanhól sobre um objeto real.



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