Pescador encontra ossadas humanas em sambaqui de ilha da Baía da Babitonga, no Norte de Santa Catarina
Arqueologia

Pescador encontra ossadas humanas em sambaqui de ilha da Baía da Babitonga, no Norte de Santa Catarina


Vestígios arqueológicos estão sendo preservados por pesquisadores e pela Fundação Cultural

Por Leandro S. Junges - [email protected]

Samuel encontrou as ossadas humanas enquanto descansava à sombra Foto: Salmo Duarte / Agencia RBS

O pescador Samuel Magno da Rocha, de 40 anos, é o guardião de um tesouro arqueológico escondido entre o mangue, a mata atlântica e as águas da baía da Babitonga, no Norte de Santa Catarina.

No ano passado, enquanto descansava à sombra depois de uma manhã inteira de coleta de caranguejos, ele percebeu que entre as conchas e os casqueiros de um sambaqui no Boqueirão, uma ponta da Ilha Comprida, a maior da baía, havia um crânio e parte de uma ossada humana que haviam se desprendido do monte.

Embora os sambaquis sejam bastante conhecidos em toda a região, especialmente por causa das quatro décadas de estudos do Museu Arqueológico do Sambaqui de Joinville, encontrar vestígios humanos razoavelmente preservados e à mostra numa parede de conchas é algo que faz o olho de muito arqueólogo brilhar.

A descoberta de Samuel foi comunicada primeiro para a secretaria municipal de Educação e, depois, à Fundação Cultural de São Francisco do Sul.

A dificuldade para chegar ao local é um dos fatores que ajudam na preservação. Chegar à ponta da Ilha Comprida onde está o sambaqui exige conhecimento das marés, dos canais da baía e disposição para andar no mangue e na mata.

A comunidade da Ribeira, a mais próxima da ilha, fica a quatro quilômetros da BR-280. No portinho de onde saem os barcos vivem não mais do que dez famílias e boa parte vive exclusivamente da pesca. Para chegar ao sambaqui é preciso navegar por pelo menos 15 minutos pelos canais entre as ilhas.

Com a maré baixa, navegadores inexperientes correm o risco de ficar encalhados nos bancos de areia ou ter de andar com a lama até o joelho para aportar em uma das ilhas.

Na ilha, uma faixa com aproximadamente dez metros de mangue protege a parede de conchas, com pelo menos dois metros de altura. Os vestígios comuns em sambaquis expostos estão por toda parte. Os crânios e os ossos humanos são facilmente identificáveis entre as raízes das árvores e de espécies de bromélias gigantes.

Guardiões da ilha
Os próprios pescadores trabalham como se fossem guardiões do lugar. Há, entre eles, um acordo tácito de não levar pessoas estranhas ou que tenham interesse em explorar ou mexer no sambaqui. Samuel, que encontrou o local, é o mais entusiasmado.

—Tenho um ciúme desses ossos que Deus me livre!—, diz.

No último ano, de tanto ler e conversar sobre o assunto, acabou conhecendo um pouco mais da história dos sambaquis e de detalhes anatômicos dos crânios. As habilidades com a pesca e a coleta de caranguejos e mariscos lhe garantem encontrar com facilidade ossos em meio às conchas.

—Pescador é assim. A gente tem de ver e ouvir muito bem. De noite, só quem ouve bem consegue pescar. E aqui, consigo diferenciar facilmente o osso, o que é resto de peixe e o que é concha—, diz.

Histórias de sambaquianos
A curiosidade de Samuel é equivalente ao orgulho que tem de ter encontrado os crânios e de ajudar a protegê-los. Nos últimos meses, ele busca saber como viviam e o que faziam os habitantes primitivos das ilhas.

Com a descoberta dos ossos, aquelas histórias de escravos, fazendeiros e índios contadas de pai para filho na região e que ficavam rondando a imaginação do pescador, agora passaram a ter um significado ainda maior.

—Todo mundo sabe que, antes de nós, havia muita gente aqui. Olhando para esse sambaqui, a gente imagina que eles viviam e se protegiam muito bem no lado seco da ilha—, diz o pescador, numa viagem quase sentimental pela história dos povos pré-históricos da região.


Segundo a pesquisadora Mercedes Okumura, que trabalhou no Museu do Sambaqui de Joinville e é uma das maiores especialistas em sambaquis no País, as características dos sítios encontrados em Santa Catarina evidenciam que havia diferenças no comportamento dos habitantes que viviam na região.

Nos vestígios dos povos primitivos da região, há provas de que os sambaquianos faziam oferendas aos seus mortos, com pequenas estatuetas em formato de animais, os zoólitos, e construíam sambaquis maiores, estruturas gigantescas com centenas de metros quadrados de extensão, como no caso da ilha Comprida.

Mercedes é pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, e realizou seus estudos na região entre os anos de 2003 e 2007.

Como não houve uma análise específica do local, não é possível afirmar o sexo, a idade ou se os corpos encontrados por Samuel tenham sido enterrados ali com algum requinte. O que se sabe é que os sambaquianos viveram na região de 4 a 5 mil anos atrás e deixaram vestígios do trabalho, das relações sociais e das movimentações pelo Sul do Brasil.

Cuidado com a preservação
O presidente da Fundação Cultural, Aldair Carvalho, o Daia, foi um dos primeiros a ir conhecer o achado, ainda no ano passado. Como gestor do patrimônio histórico da cidade, ele comunicou o Museu Arqueológico do Sambaqui de Joinville e pediu que os próprios pescadores ajudem a conservar o local.

—Há um processo permanente de erosão nos sambaquis das ilhas. E uma intervenção nem sempre é a melhor maneira de preservar—, diz.

Só na região do Canal do Linguado, há sambaquis importantes que já foram identificados e catalogados, desde a Ilha Comprida, até as ilhas dos Barcos e do Mel. De acordo com Carvalho, a relação dos pescadores com esses sítios arqueológicos tem sido de respeito e, principalmente, de parceria com os órgãos ambientais e de proteção do patrimônio natural e histórico.

E como não é possível _ e nem indicado _ entrar em cada uma das ilhas, montar acampamento e estudar os sambaquis que há, resta ao poder público buscar essa parceria. Enquanto a ação da maré não destruir a estrutura que tem mais de 2,5 metros de altura e pelo menos 25 de comprimento, Samuel estará por lá para dar uma olhadinha.

—-Sou um curioso. Gosto de ver o sambaqui preservado. E vou cuidar para que continue assim—, diz.


O que é?
O sambaqui da localidade do Boqueirão, na Ilha Comprida, é uma estrutura de 2,5 metros de altura por 25 de comprimento, completamente coberta pela mata atlântica. Os sambaquis são depósitos de cascas de ostras, conchas, mariscos e restos de artefatos deixados pelos homens pré-históricos e indígenas brasileiros.

Há registros em todo o litoral do Brasil. Esses povos primitivos viveram na região entre 4 mil e 5 mil anos atrás. Nos casqueiros também enterravam seus mortos. Nos sambaquis de Santa Catarina, é comum encontrar zoólitos, oferendas que os sambaquianos faziam aos seus mortos com pequenas estatuetas em formato de animais.

Fonte: http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/noticia/2014/02/pescador-encontra-ossadas-humanas-em-sambaqui-de-ilha-da-baia-da-babitonga-no-norte-de-santa-catarina-4429475.html (25/02/2014)



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