Seca devasta parques do Quênia
Arqueologia

Seca devasta parques do Quênia



A seca voltou a castigar a África, mas desta vez a preocupação dos governos não é apenas com a sobrevivência da população. No Quênia, centenas de leões, elefantes, zebras, girafas e búfalos estão morrendo.

E isso atinge em cheio o movimento de turistas, que vão ao país justamente para ver de perto os animais selvagens. Com uma das principais fontes de renda reduzida, a economia local foi atingida, prejudicando ainda mais a população já afetada pela estiagem.


Embora não haja um censo sobre os efeitos da seca no Quênia, é possível ter uma noção da extensão do problema.

No Parque Nacional de Tsavo West, por exemplo, no sul do país, foram registradas 352 mortes de animais: 104 búfalos, 61 zebras, 49 gnus, 47 hipopótamos, 36 elefantes, 26 impalas e 13 bubalús, uma espécie de antílope africano.

De acordo com John Kariuki, funcionário do parque, esse número está claramente subestimado, porque a equipe não tem capacidade de mapear os quase 10 mil quilômetros quadrados de área preservada. “Tivemos muitos outros casos que não foram reportados”, explica. “Alguns rios da região chegaram a secar totalmente.”

O Kenya Wildlife Service (KWS), órgão do governo que administra os principais parques naturais, diz que em um ano o país perdeu 2% da sua população de 2 mil zebras-de-grévy, uma das três espécies existentes no mundo. Ainda segundo o KWS, 120 elefantes e centenas de outros animais foram mortos em decorrência da estiagem.

O problema é que, assim como os dados locais do Parque Tsavo, esses números podem ser ainda maiores em praticamente todos os parques nacionais. No de Amboseli, no extremo sul, quase 60% da população de zebras e gnus morreu.

O KWS precisou colocar em prática um programa radical: transferiu 4 mil zebras e 3 mil gnus vindos de Soysambu, a 300 quilômetros de Amboseli, para alimentar leões, leopardos e hienas. Famintos, os predadores estavam atacando o gado das famílias da região, espalhando medo e prejuízos.

Elefantes órfãos recebem cuidados em parque no Quênia
Bebês elefantes são alimentados em parque nacional de Nairóbi.

Eles foram abandonados numa das piores secas na África oriental.


Bebês elefantes passeiam no centro David Sheldrick, nos arredores do parque nacional de Nairóbi, no Quênia; os elefantes ficaram órfãos após uma das piores secas na África Oriental
(Foto: Karel Prinsloo / AP Photo)

Filhotes

Os elefantes de Amboseli também foram prejudicados. Pelo menos 30 filhotes não resistiram à estiagem, principalmente por causa da morte da mãe. Nos primeiros anos de vida, os bebês precisam ser alimentados e acompanhados continuamente. Sozinhos na selva, são incapazes de sobreviver.

Na organização não-governamental David Sheldrick Wildlife Trust, localizada na capital Nairóbi, dos 53 filhotes de elefantes órfãos recebidos em 2009, 27 deles perderam a família por causa da seca.

Mas não foi só a fome e a sede que mataram os animais. Muitos foram assassinados por ex-criadores de gado que, após perderem grande parte de seus rebanhos com a seca, resolveram voltar à atividade ilegal da vender marfim.

A ONG funciona como um berçário para os filhotes, que recebem cuidados até que tenham autonomia para sobreviver na selva. “Os bebês elefantes precisam comer folhas verdes, mas, por causa da seca, só sobraram gravetos ressecados. Pela deficiência alimentar, as mães não produziam leite o suficiente para alimentá-los”, afirma Tal Manor, uma das funcionárias da ONG em Nairóbi.

“Vimos elefantes que estavam há duas semanas tentando sair da lama por causa da fraqueza.”

Algo semelhante ocorreu na Reserva Nacional de Maasai Mara, na fronteira com a Tanzânia, onde o Rio Mara chegou a baixar 1,5 metro. Os guardas do local contam que, há dois anos, era fácil enxergar dezenas de crocodilos nas margens do Mara. Hoje, têm sorte os turistas que conseguem avistar um ou dois.


Cenário para milhares de visitantes que vêm a Maasai Mara para ver a migração de gnus, zebras e outros animais nos meses de julho e agosto, o parque decepcionou os visitantes em 2009. “Eles reclamaram de não terem visto muitos animais”, conta o guia Laurence Kiarie.

Outro motivo pelo qual a dimensão do prejuízo aos parques ainda não pode ser quantificada é o fato de que, com o desequilíbrio na cadeia alimentar, o problema está apenas começando: “Nossas equipes estão em estado de alerta em muitas regiões”, afirma Paul Udoto, porta-voz da KWS. “Vai levar anos para que as populações herbívoras sejam recuperadas.”

O país do leste africano há décadas sofre com a escassez de chuvas, mas a seca de 2009 foi a mais devastadora dos últimos 15 anos. Nos meses de julho e agosto, o esperado período de chuvas não chegou e tornou a situação ainda mais calamitosa.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a seca foi intensificada não só pelas mudanças climáticas, mas também pelo desmatamento. Nos últimos anos, mais de 100 mil hectares da Floresta Mau, na região central – o equivalente a um quarto da mata original – foram derrubados para dar lugar a plantações.

A floresta é responsável por regular o ciclo de chuvas e abastecer as principais bacias hidrográficas da região, que fornecem água para o parque de Serengeti, Tanzânia, e para o Lago Vitória, que dá origem ao Nilo.

“A floresta armazena água nos períodos de chuva e libera nos quatro meses de seca, impedindo que os rios sequem”, explica o diretor de políticas ambientais do Pnuma em Nairóbi, Tim Kasten. “Com o desmatamento, Mau perdeu essa habilidade de reter e liberar água.”

Tópicos: , Sustentabilidade, Seca Planeta, Quênia, Animais, Parques, Vida &, Planeta

O Estadão

Fernanda Paiva

29 de abril de 2010 15h 51






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