Pucara, os degoladores de cabeças (Parte 2)
Arqueologia

Pucara, os degoladores de cabeças (Parte 2)






Texto de Dalton Delfini Maziero
(Diário da Expedição Titicaca, 1997)


Ao que tudo indica, o nome Pucara significa "Fortaleza". Pensando nisso, subia e descia as enormes escadarias do Kalasaya, olhando aqueles andaimes dos quais não me lembrava de ter visto outros de igual tamanho. Teria sido realmente uma fortaleza? E se assim o fosse, o que estariam fazendo três templos religiosos dentro de uma construção militar? Reparei que, pelo chão, facilmente se encontrava uma grande quantidade de pedaços de cerâmica. Muitos deles ainda com pintura.

Da escadaria que dá acesso ao Kalasaya, o visitante é convidado a imaginar como seria aquele lugar em seus dias de glória. Por ali, exatamente onde estava pisando, entravam e saíam todos que se dirigiam aos templos. Quase que dava para ver aquelas enormes muralhas repletas de guerreiros, bradando um grito de guerra e trazendo seus inimigos capturados.

Vi algumas das estátuas que o arqueólogo peruano Elías Mujica Barreda encontrou e, com toda certeza, o que presenciei não foi, uma visão agradável para aqueles que chegavam a este lugar. Elas estavam espalhadas por todos os andaimes de acesso ao templo. Eram figuras aterradoras de ferozes guerreiros. Uma das mais famosas é a do "Degolador de Pucara" que retrata um homem de expressão animalesca, segurando, com uma das mãos, uma cabeça decapitada e com a outra, o instrumento utilizado para consumar o fato, uma faca.

As estátuas eram pintadas com cores vivas, provavelmente, para causar maior impressão. Foram detectados restos de tinta vermelha, branca, preta e amarela. O que você sentiria se fosse capturado e colocado na presença dessas estátuas? De certo, saberia “a sorte” que o aguardava... Se a cultura pucara expandiu-se pelo Altiplano influenciando outras (e isso ocorreu), certamente, não foi pedindo licença!

Por detrás deste complexo arqueológico, ergue-se uma enorme rocha que teve sua função na história. Foi utilizada como defesa natural da antiga cidade, mirante e posto de vigia. Quem quisesse invadir o local teria de atacá-lo de frente, e escalar os andaimes para chegar ao templo. Tarefa complicada quando se está enfrentando um povo da índole dos pucaras.

Quando uma ruína arqueológica é tão vasta como estas, o melhor que se tem a fazer é buscar um local alto para enxergar as coisas por outro ângulo. Sendo assim, não perdi tempo. Comecei a subir parte da gigantesca rocha em busca de indícios que ajudassem a esclarecer, um pouco mais, do que estava vendo. Conforme subia, tinha melhor noção das verdadeiras dimensões de Pucara.

Um dos princípios básicos da arqueologia é o de adquirir visão de conjunto para poder compreender a função de cada construção. De lá do alto, não vi só a disposição daqueles monumentos e a série de "falhas" na rala vegetação a sua volta, indicando existir ruínas arqueológicas a poucos centímetros da superfície! Vi também duas outras coisas que me intrigaram: uma pessoa que havia chegado às ruínas, posicionando-se estranhamente no centro de um dos templos semi-subterrâneos e, ao longe, umas nuvens negras que se acumulavam por detrás de uma serra. Na hora, isso não me preocupou. Sabia que não estava em época de chuvas.

A distribuição dos edifícios, a presença de pirâmides, a quantidade de cerâmica cerimonial, além das próprias estátuas que contém, em seus relevos, elementos indicativos de cultos - como é o caso da posição das mãos que mostram gestos rituais... Tudo leva a crer na força religiosa que esta cultura deveria possuir. As próprias imagens encontradas em cerâmicas e estelas (monólito com imagem ou inscrição) de seres que são devorados por outros, indicam adoração por deuses próprios.

Mas, certamente, os pucaras não descuidaram de sua defesa! As ruínas formaram um centro cerimonial, sem descuidar de sua função militar. O início de nossa era parece ter marcado o final da expansão dessa cultura, com uma grande centralização política e econômica. Sua influência atingiu áreas distantes do Titicaca, como o norte do Chile, Cuzco e terras bolivianas. Todas estas regiões estiveram ligadas, de uma forma ou de outra, às influências religiosas, políticas e econômicas deste povo. Além de exercer uma função religiosa e militar, Pucara foi também um importante centro urbano e de produção em cerâmica.

Arquitetonicamente, representa uma das maiores inovações da época, chegando mesmo a alterar padrões de comportamento, não só no Altiplano, bem como, na Cordilheira. Pucara foi uma das primeiras culturas a utilizar uma distribuição urbana associada a conjuntos monumentais.

Para aqueles que se maravilham com as ruínas de Tiwanaku, saibam que muito do que existe lá, já havia sido utilizado em Pucara. Uma interessante teoria é a defendida por John H. Rowe e Catherine Brandel. Afirmam tratar-se de uma legítima "ponte cultural". Segundo os pesquisadores, eles catalisariam tradições culturais dos povos litorâneos, retransmitindo aos do Altiplano e vice-versa. Sua posição geográfica apóia tal idéia. Foram portanto, peças fundamentais no inter-relacionamento andino.



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